Quem já visitou o Mosteiro de Alcobaça, aquele bastião da arte e cultura de Portugal e um dos mosteiros de arte gótica mais bem conservado da Europa, e ficou maravilhado com o que lá viu?
Se reconhecem este sentimento é porque conseguiram abrandar um pouco e observar de facto a sua grandeza arquitetónica.

Falemos hoje da sua Igreja, que desde a pedra sob os nossos sapatinhos até ao topo são mais de 20 metros de altura... 20 metros!!, onde se encontra as suas duas relíquias mais procuradas: os Túmulos de D. Pedro I e D. Inês de Castro.

São duas personagens de histórias de amor eterno e imortal e de mais algumas lendas, sem dúvida, mas é da Iconografia; da história das obras de arte onde eles repousam, que vos quero falar.
(Farei um resumo no final)

Quem já passou por lá, achou aquilo tudo fantástico, mas não reparou ou não percebeu o que eram aqueles “desenhos” todos nos túmulos?
Pois bem, tudo o que lá está têm um propósito e um detalhe extraordinário. Para ser sucinto:
No túmulo de D. Inês (que morreu em 1355, com cerca de 30 anos) está representada a vida de Jesus Cristo, como que a fazer um paralelo com a sua morte trágica. A lateral esquerda mostra o nascimento e infância até a fase adulta.

A lateral direita mostra a Paixão de Cristo. Nesta face podemos ver em detalhe a Última Ceia, (infelizmente vandalizada por vários "autores" ao longo dos anos);

Ver o detalhe de “O beijo de Judas”; da Flagelação de Cristo e da Caminhada com a Cruz para o Calvário.

A terminar temos o painel do Calvário, com Jesus crucificado ao centro e os dois ladrões a ladeá-lo. Este painel da crucificação está simbolicamente alinhado com a cabeceira de D. Inês.

Por último, aos seus pés, está o Painel do Juízo final. Aqui observamos Cristo, ao centro, a presidir ao tribunal divino; vemos Santa Maria à direita de Cristo, rodeada dos anjos e apóstolos.

No canto superior direito ainda é possível verificar o que parece ser D. Pedro e D. Inês, numa varanda, a observar à distância a imagem do juízo final e dos seus julgamentos.

Vemos no fundo, o milagre da ressurreição, com a saída das almas das suas sepulturas para serem julgadas.

D. Pedro e D. Inês também aqui ressuscitam, serão julgados e terão lugar no Paraíso, ao contrário daqueles que os fizeram sofrer, que caminham em direção à boca do leviathan, no canto inferior direito.

Isto é arte do século XIV, foi há mais de 650 anos atrás!!
No transepto sul do Mosteiro podemos contemplar o túmulo de D. Pedro I (morreu em 1367 com 46 anos). Nas laterais está representada a vida e morte de São Bartolomeu, o seu santo protetor.

São Bartolomeu foi um dos apóstolos de Cristo, foi martirizado, supondo-se que foi esfolado vivo. Dai normalmente ser replicado, com ar sereno, a segurar a sua pele na mão.

Podíamos brincar com a simbologia, de que a escolha deste santo para seu protetor se deve ao facto de D. Pedro também se ter sentido assim após morte de D. Inês, despido da sua própria pele, mas na verdade, D. Pedro I era gago e São Bartolomeu sempre foi, desde os tempos da idade média, o patrono das crianças gagas e com epilepsia (como lembra o Prof. Dr. Ferreira de Almeida, 1991).
Nos pés do túmulo podemos observar a "Boa Morte do Rei": O Viático (comunhão eucarística dada àqueles que estão prestes a morrer) e a Extrema-Unção.

Na cabeceira podemos observar a Rosácea, onde está representada a Roda da Vida (parte exterior) e a Roda da fortuna (parte interior). Na Roda da Vida, no lado esquerdo ascendente vemos os momentos felizes, como por exemplo uma cena da família: os dois com os seus 3 filhos, que culminam na pose majestosa de D. Pedro I Rei. Mas no sentido direito descendente sentimos a tragédia, como a morte de D. Inês, que culmina com D. Pedro amortalhado no seu túmulo, onde se pode ler: “Até ao fim do mundo”. Como é de difícil perceção, também se considera: “Aqui é o fim do mundo”, ou até mesmo “Aqui espero o fim do mundo”. Ou seja, contrapõem verticalmente a Glória, no topo, com a Tragédia no fundo.

Na parte interior está a Roda da Fortuna. O lado esquerdo ascendente, representa a união de Pedro e Inês. No lado direito descendente, vemos o julgamento de D. Afonso IV. No fim, vemos D. Pedro e D. Inês prostrados e um ser híbrido: o Infortúnio e a Fortuna. Esta agarra com as mãos o eixo da roda, indicando que a vida de D. Pedro parou para sempre.
Claro que há muito mais para falar, cada quadradinho tem a sua história, mas muito resumido é isto.
Resumo
Túmulo de D. Inês de Castro (m. 1355) - Iconografia sobre a Vida de Jesus:
Lateral esquerda: Nascimento e infância de Jesus
Lateral direita: Paixão de Cristo
Cabeceira: Calvário de Cristo
Pés: Juízo Final
Túmulo de D. Pedro I (m. 1367) - Iconografia de S. Bartolomeu e do Rei:
Lateral direita: Vida de S. Bartolomeu
Lateral esquerda: Tragédia de S. Bartolomeu
Pés: Boa Morte do Rei D. Pedro I
Cabeceira: Roda da Vida e Fortuna
Espero ter ajudado para a vossa próxima passagem por Alcobaça, com alguns detalhes dos túmulos de D. Inês e D. Pedro I e desvendar alguns segredinhos da História de um dos Reis de Portugal que estão sepultados no Mosteiro de Alcobaça.
...
Um dos Reis? O quê, D. Pedro I não é o único que lá está? Alguém pergunta.
R: O texto já vai longo, por isso essa História fica para outra história.

Até breve
