Mosteiro de Coz, uma pérola perdida em Alcobaça

Qualquer história tem um “princípio, meio e fim”, mas nesta minha história irei saltar já para o meio, seguimos para o fim e finalmente vamos ao princípio.


Confusos? Já irão perceber o porquê.


Não sendo possível localizar com precisão em que ano estamos, podemos afirmar que é nos meados do séc. XIII que se desenvolve uma comunidade de religiosas cistercienses nesta localidade, composta de mulheres devotas, sendo que muitas delas desejavam levar uma vida religiosa.

Foi de forma gradual que, de uma pequena comunidade já existente no ano 1290, chegaram à administração de um dos maiores e melhores Mosteiros de Clausura das Monjas da Ordem de Cister em Portugal, por volta do ano de 1671.


Falo, claro, do MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE COZ.


Se já o conhecem, percebem perfeitamente o sentimento que tentarei transparecer nestas palavras. Quem ainda não o conhece, este texto só ficará com o dever cumprido quando o contemplarem presencialmente.


O Mosteiro fica na freguesia de Coz, a 10 minutos de carro do centro Alcobaça. Por isso 1ª dica, quando visitarem Alcobaça, incluam esta deslocação no vosso percurso. Se tiverem o tempo contado, ao reservarem 1h já conseguiram ter uma ideia clara desta obra de arte.


As monjas auxiliavam a abadia do Mosteiro de Alcobaça nalgumas tarefas, nomeadamente na lavagem dos hábitos brancos dos monges, na ribeira que corre a Norte do Mosteiro de Coz” conta-me o Eurico, enquanto nos dirigimos para a entrada do Mosteiro. O Eurico Leonardo é quem tem as chaves do “Castelo”, é quem faz a visita ao interior do Mosteiro e é quem coordena o projeto Coz'Art, desenvolvido mesmo ali ao lado, na antiga Adega das Monjas (mas já lá vamos).

Depois de trocar dois dedos de conversa com o Eurico, finalmente entramos dentro do Mosteiro, em direção à nave da Igreja.

Espera só um bocadinho que vou ligar as luzes” - diz o Eurico.


Espero, faz-se luz, dou dois passos em frente e fico de queixo caído.


                                             
Altar-Mor em talha dourada - Mosteiro de Coz
  

Não é possível, (nem sequer acredito), que haja alguém que entre ali e não abra a boca de espanto. Até desafio alguém a tentar refutar esta teoria! (alias, não tentem, para não perderem um momento natural único).


O edifício que vemos e o seu interior são resultados das extensão obras realizadas em 1671.

A Independência de Portugal tinha sido restaurada há poucos anos e o estilo barroco já caminhava a passos largos para se tornar o estilo artístico do século.

Por isso, o queixo caído de há bocado deve-se a isso mesmo, ao estarmos perante uma obra de arte decorativa, é a arte barroca no seu alto esplendor.

Atualmente, o que resta desses tempos áureos que mereça destaque é sem dúvida a Sacristia e a Igreja (dividida pela grade de Clausura, de um lado o coro das Monjas e do outro a nave). Neste capítulo irei dar um pouco mais de destaque à nave da Igreja.


Situado a Poente, é na nave da Igreja que damos de caras com o gigante altar-mor, coberto a talha dourada (como é característico da arte barroca). No altar, ao alto podemos ver a figura da Santa Maria, nos pedestais estão as figuras de São Bento e São Bernardo e ao centro está a Sagrada Família.

Aqui podemos reparar numa coisa: Jesus está representado como uma criança já crescida, com as suas vestes, que já se mantém em pé e podemos ver o que parece ser uma palmeira pintada por detrás deles, o que pode significar que se trata da representação da passagem da “Fuga da Sagrada Família para o Egipto”.


                                             
Pormenor da Sagrada Família no Altar-mor

Outro ponto importante a reparar nesta zona é o altar das Almas:


Josefa de Óbidos é considerada uma das grandes pintoras artísticas do séc. XVII. Os seus quadros são reconhecidos internacionalmente e podem observar a sua arte nas suas grandes obras, como “A Sagrada Família com São João Baptista, Santa Isabel e Anjos” exposto no Museu da Misericórdia do Porto ou o “Casamento místico de Santa Catarina” exposto no Museu Nacional de Arte Antiga. É no altar das Almas, em Coz, que também podemos observar mais uma tela atribuída a Josefa de Óbidos, denominada “Purgatório”.


                                        
Altar das Almas - Tela: "Purgatório"

Continuando a visita, podemos ver no teto da Igreja os caixotões de madeira como decoração, que retratam figuras importantes, monjas e Papas. A Nascente, para lá das grades de Clausura, temos a zona do coro, o local só acessível às monjas cistercienses e onde se encontra o majestoso cadeiral das monjas. Bem lá ao fundo, vemos um portal que muito provavelmente existiria noutro local e foi ali colocado mais tarde, já que é um magnífico portal do estilo manuelino e assim falamos do início do ano 1500, por isso 150 anos antes das grandes obras neste Mosteiro.


                                        
Observar os caixotões no teto, a grade de clausura e o coro

Na sacristia podemos contemplar os magníficos painéis que retratam a vida de São Bernardo, o grande impulsionador da Ordem de Cister no Mundo.


                                             
Sacristia com painéis da vida de São Bernardo

Deixando a ideia no ar de que ainda há muito para ver e falar deste belo mosteiro, tenho só de mencionar que a visita termina na Adega das Monjas, um espaço onde o Projeto Coz'Art se desenvolve. Aqui ficam com uma ideia da arte de trabalhar o junco, usado na produção artesanal das tradicionais “Cestas de Coz”. Há também um espaço para a venda de produtos: como as próprias cestas, fruta de Alcobaça, Pão-de-Ló de Coz e compotas caseiras.

Por fim, não saiam de Coz sem visitar lá bem no alto de uma pequena colina a Ermida de Santa Rita, onde é possível desfrutar de uma vista espetacular sobre a zona envolvente.


                                             
Miradouro de Santa Rita

Agora, voltamos ao início.

Quem chega a Coz e vê pela 1ª vez a parte exterior do Mosteiro, pensa: “Não pode ser. Não acredito”. Isto porque o Tempo pode ser cruel.


                                        
Entrada para o Mosteiro de Coz

Para quem não se lembra, a extinção das Ordens Religiosas em Portugal ocorreu em 1834, após a vitória de D. Pedro IV sobre o irmão, D. Miguel I. Ora, como muitos outros Monumentos religiosos, quase todos foram deixados ao abandono, enquanto que outros foram adquiridos por privados, como foi o caso deste. Recentemente foi adquirido pelo Município.

Por isso o que vemos hoje em Coz é o resultado de quase 200 anos de pobre manutenção. O exterior em sofrimento, mas o interior miraculosamente até bem conservado.

Foi submetido, em 2015, o projeto para tornar este Mosteiro num Património Nacional, sendo agora só um Imóvel de Interesse Público (IIP). As coisas estão bem encaminhadas e talvez possamos ter uma boa nova até ao final do ano. Por isso têm de se apressar se querem ver o que é um Património Nacional antes de ser um Património Nacional.


A razão porque deixei esta revelação para o fim foi para exemplificar aquele ditado: “Não julgar o livro pela capa”.

Logo de início conseguiram ver o extraordinário interior deste Mosteiro, ficou logo na vossa memória. Mostrar agora a decadência da parte exterior nem sequer vai beliscar a vossa imagem geral e a boa experiência com que ficam deste Mosteiro. Contar esta história ao contrário, do início para o fim, a sensação podia já não ser a mesma.


Assim me despeço, neste que foi o 1º capítulo da História de um passeio em Coz.

Obrigado e até breve.


André Cordeiro

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